Família: desencontros e resgates
Roberto P. Coelho*
Há muitas famílias que não têm noção da vida sem limites de
seus filhos. Algumas acreditam que as drogas, cujo contato é inevitável
(bastando apenas, em alguns casos, o cuidado para esse contato ser apenas
adiado), fazem parte do amadurecimento dos jovens e que uns experimentam como
se fosse um direito, está cada vez mais incorporado como parte natural da vida.
O significado do que seja bem e mal está cada vez mais relativizado nos dias de
hoje em nossa sociedade, e muitos pais perderam o poder de guiar e orientar
seus filhos, especialmente na idade em que os mesmos não têm condições ou
competência para fazê-lo com clareza e sem riscos na sua integridade.
Assistimos, então, a uma geração de pais que obedece a seus
filhos e que, para não perderem o “amor” dos mesmos, não os contrariam, sem
saber que com essa atitude não somente perdem o amor, mas o respeito, por
manifestarem tanta debilidade no exercício da autoridade que precisariam
exercer. Como os filhos podem aprender a confiar em pais que não sabem exercer
o papel de pais, mas apenas se tornam amiguinhos e/ou boas praças de seus
pupilos?
Sem conhecimento, sem compreensão, sem discernimento, sem
firmeza, muitos pais, tão perdidos quanto seus filhos (e para poupá-los dos
riscos da violência fora de casa), dão sinal verde para que usem e/ou
compartilhem drogas como fossem parte do cardápio rotineiro da família.
Abdicaram, com isso, da capacidade de ensinar a refletir, dar orientação, se
construir limites protetores, tornando-se tão violentos com a permissividade e
atolados no medo de enfrentar os próprios filhos. Há pais que cederam tanto, confundindo
liberdade com irresponsabilidade, medo com amor, que deixaram a droga ocupar o
lugar que a eles cabia na vida de seus filhos. Quando não temos consciência de
qual o nosso lugar na construção de valores na vida de nossos filhos, quando
não conseguimos ser amorosamente atentos, amorosamente envolvidos, amorosamente
interessados, quando não conseguimos construir pontes para o sentimento de
pertença, no qual o jovem consegue identificar a importância de sua presença na
família, em sua comunidade e no mundo, tornamo-nos facilitadores de um vazio na
comunicação que vai ser preenchido pelo ruído do não dito, não dialogado, não
ouvido.
Confusos, magoados, perplexos, perdidos, com o menosprezo, à
distância, a desonestidade dos filhos, a quem respeitaram o direito de usar o
que quisessem, muitos pais se perguntam o que dizer e o que fazer agora com o
descaso e o egocentrismo dos filhos. Como não podemos mudar o passado e
tampouco se torna útil e proveitoso mergulhar em autocondenação sobre aquilo
que não se consegue enxergar lá atrás, quando se agia como facilitadores, é
necessário olhar o presente com o desejo sincero de alterar a velha concepção sobre a vida que vivemos. Uma
mudança que começa na forma como encaramos a nós mesmos e que vai mudar a forma
como nos relacionamos com os outros, especialmente os filhos. Leva tempo, dá trabalho,
exige paciência, exige boa vontade, honestidade, mente aberta, fé e muito amor.
Quem não estiver disposto a dizer não na hora em que o não
se faz necessário ainda não está preparado para ser pai e/ou mãe. É bom não
lamentarmos os filhos que de alguma forma nos decepcionam com suas escolhas,
descaminhos e destino. Podemos aprender com eles que pais se constroem, não
nascem prontos, e que é sempre hora de aprender a corrigir o curso de nossa
comunicação com o outro. É sempre hora de pedir e aceitar ajuda. Descobriremos,
então, perplexos, mas não perdidos como antes, que há muito que fazer viver,
compreender, muito pouco tempo para lamentar.
*Roberto P.
Coelho, psicólogo, é ouvidor da Coordenadoria Especial da Promoção da Política
Pública de Prevenção à Dependência Química da Prefeitura do Rio.