quinta-feira, 21 de junho de 2012

Contiguamente Separado


Você já deve ter visto coisa semelhante, talvez aí mesmo na sua cidade. Mas há uma cidade que merece espaço para reflexão. Passo por ela algumas vezes. Numa das suas ruas há quatro lojas contíguas, separadas apenas por uma parede, todas as quatro lojas de roupas. Vendem roupas praticamente iguais, às vezes do mesmo fornecedor. Oferecem mais simpatia ou mais vantagens porque os produtos são praticamente os mesmos.
Na mesma rua há, também, quatro templos de quatro igrejas diferentes, separadas por não mais de três ou quatro metros cada uma. Apresentam o mesmo Cristo e pretendem ensinar a mesma fé, mas os fiéis de uma não frequentam a outra, enquanto que os fregueses de uma loja vão para a outra e às vezes até com recomendação da lojista vizinha; não tendo o produto elas indicam a loja ao lado. Há companheirismo ainda que competitivo.
O mesmo não fazem as igrejas. Em outras palavras: os lojistas são menos sectários que os pregadores e menos ciosos de seus fregueses. Aprenderam que a competição sadia é boa, mas o intercambio também é. Hoje eles indicam o produto de uma loja, amanhã a loja indicada apontará o produto deles.
As religiões não fazem o mesmo: é difícil um pregador aconselhar seu fiel a ir ouvir a pregação de outro, comprar o livro de outro autor. São ciosos do seu Cristo ou da sua versão do Cristo.
Soube por vizinhos e inclusive seguidores destas igrejas que nunca aconteceu de programarem uma reunião juntas, nem mesmo um almoço. E, no entanto quem prega o amor, a fraternidade, a unidade são esses templos e não as lojas…
Faz pensar o que vai pela mídia, televisão e rádio e o que vai pelos templos e pelas regiões centrais e periféricas de nossas cidades. As lojas parecem ser mais gentis e unidas do que os templos. Os comerciantes parecem muito mais capazes de diálogo do que os pregadores da fé. Aqui e acolá encontram-se pregadores ecumênicos, gentis e fraternos, abertos ao diálogo, capazes de admirar o outro. Mas não aposte em todos. Fundador de igreja nova ou novo templo quer mais é adeptos. Se puder pegar os da igreja vizinha é isso que ele vai fazer.
Prego a palavra de Deus há cinquenta anos e sei do que estou falando: a competição religiosa é muito mais forte que o cooperação religiosa. Sou dos otimistas que acha que um dia isso mudará, embora não venha a ser nos próximos dez anos. Mas há uma geração de padres e pastores dispostos a se encontrarem e dialogarem. Se eles o fizerem, seus fiéis também farão, até porque a maioria das discussões e brigas de fiéis nas ruas por causa de religião começaram nos púlpitos…
Se padres e pastores se dão bem, o povo se entende lá fora, se a pregação é deletéria, na base de igreja contra igreja; se for mentirosa, maliciosa, destruidora, deturpadora, usurpadora, demolidora e agressiva, os fiéis também serão.
Na cidade à qual me referi e naquela rua em particular, parece que os comerciantes conseguiram viver melhor o “amai-vos uns aos outros” do que os pregadores. Pelo que sei, as quatros lojas investem juntas no enfeite de natal, as igrejas, não! Quem pensa que inventei estes fatos ligue a televisão e o rádio e preste atenção nas pregações proselitistas
de alguns salvadores de almas para Cristo. Falam como se só eles existissem. Jesus não iluminou a mais ninguém. Que pena!
Pe. Zezinho, scj

terça-feira, 12 de junho de 2012


“A graça do silêncio”: reflexões a partir do capítulo quinto da Regra de Santa Clara

Por Frei Fábio Cesar Gomes

O capítulo quinto da Forma de Vida de Santa Clara como sugere o próprio título: “Sobre o silêncio, o locutório e a grade”, trata de questões que dizem respeito mais propriamente à índole contemplativa da vida das Irmãs Pobres. As várias determinações sobre portas, chaves, trancas, etc – também presentes no capítulo onze que trata da observância da clausura (cfr. rsc 11,3-7) – provêm das Regras papais e se justificam pelo fato de que o mosteiro de São Damião estava localizado fora dos muros de Assis e, por isso, muito exposto a invasões.

A originalidade de Clara neste capítulo da Forma de Vida, porém, aparece sobretudo no que diz respeito à sua compreensão de silêncio, sobre o que, num primeiro momento gostaríamos de concentrar nossa atenção para, logo em seguida, traçarmos alguns paralelos entre o pensamento dela e o de Francisco sobre o assunto. Por fim, muito brevemente, acenaremos para a pertinência do tema com relação a algumas questões levantadas nos Fóruns Provinciais.

Compreensão de silêncio em Clara

Ainda que Clara prescreva a observância da norma do silêncio em tempos e lugares bem determinados (cfr. rsc 5,1-2), a sua Regra não chega a proibir às irmãs o uso da palavra, como acontece, por exemplo, na Regra de Hugolino: “o silêncio contínuo seja constantemente observado por todas, de maneira que não lhes seja permitido falar nem umas com as outras nem com outras pessoas sem licença,…” (RHUG 6).

Pelo contrário, a Regra de Clara determina que as irmãs “podem insinuar o que for necessário sempre e em toda parte” (rsc 5,4), além de admitir que elas conversem com as pessoas externas ao mosteiro, no locutório e até – ainda que rarissimamente – também na grade (cfr. rsc 5,5-9). De fato, a norma do silêncio parece estar subordinada ao grande valor da convivência fraterna, em função da qual ela reconhece a necessidade e a importância da fala, especialmente na enfermaria, “em que as irmãs sempre podem falar discretamente para distrair as doentes e cuidar delas” (rsc 5,3).

Assim, podemos afirmar que para Clara, mais do que ausência total de palavras e rumores, o silêncio diz respeito a uma atitude fundamental de vida, ao modo de ser da escuta de Deus em todos os momentos e circunstâncias da vida. Trata-se, portanto, de cultivar o modo de ser da escuta como uma atitude fundamental da própria vida. Um modo de ser que se manifesta também no próprio modo de falar das irmãs: “discretamente”, “brevemente e em voz baixa” (rsc 5,3-4). É para a aquisição e conservação deste modo de ser por parte de cada irmã que a observância da norma do silêncio parece estar querendo apontar.

Compreensão do silêncio em Clara e Francisco: alguns paralelos

Ainda que a Regra de Francisco não determine, como a de Clara, os tempos e os lugares de se observar a norma do silêncio, isso não significa que ele não o considere importante. Pelo contrário, para Francisco o silêncio é tido como uma graça proveniente da prodigalidade do próprio Deus. Portanto, antes de ser uma conquista humana, o silêncio é uma dádiva divina que o frade deve esforçar-se por manter, por guardar (cfr. RNB 11,2; RERM 3). Assim, tal como para Clara, também para Francisco o silêncio, mais do que uma questão de calar ou falar, diz respeito à disposição daquele que, em todas as situações da vida, está continuamente preocupado em escutar aquela palavra que brota continuamente do âmago do silêncio abismal de Deus.

Além disso, é interessante observar que Francisco fala da “graça do silêncio” justamente naquele capítulo da Regra em que trata mais propriamente do relacionamento dos frades entre si, exortando-os a não se caluniarem nem porfiarem com palavras (cfr. RnB 11,2). Desta forma, o cultivo do modo de ser da escuta por parte de cada frade representa a condição de possibilidade de uma autêntica vida fraterna, enquanto nos previne das suas duas maiores ameaças: a calúnia e as discussões vãs. Aqui, é interessante perceber que, se para Clara – como vimos – o critério da caridade fraterna permite que o silêncio próprio da vida contemplativa seja rompido, para Francisco, é a mesma caridade fraterna a impor aos irmãos que vão pelo mundo que silenciem todo tipo de discussão e de julgamento (cfr. rb 3,11).

Mais ainda, assim compreendido como atitude fundamental de escuta, o silêncio não diz apenas respeito aos chamados à vida contemplativa, mas, também a nós que, desde as nossas origens, fomos enviados pela Igreja a pregar a todos a penitência (cfr. 1Cel 33,7; lm 3,10.11; 12; ltc 49,2; 51,10; ap 37,6). De fato, é interessante perceber que, na Carta a Toda Ordem, antes mesmo de nos exortar a darmos testemunho da voz do Filho de Deus e a anunciarmos a todos a Sua onipotência (cfr. CTORD 9), Francisco nos convoca a uma atitude de escuta atenta e de profundo acolhimento da Palavra de Deus (cfr. CTORD 6-7).

Por fim, tal como Clara, também para Francisco o modo de ser da escuta deve manifestar-se no nosso próprio modo de falar. E se isso vale para todos os frades, mais ainda para os pregadores, aos quais recomenda que “seja sua linguagem examinada e casta, para utilidade e edificação do povo, anunciando-lhe, com brevidade de palavra, os vícios e as virtudes, o castigo e a glória; porque o Senhor, sobre a Terra, usou de palavra breve” (rb 9,4-5). Neste contexto, a graça do silêncio manifesta-se num modo próprio de pregar segundo o qual não é o evangelizador – com sua eloquência – a colocar-se em evidência, mas, em cujo centro está sempre a pessoa de Jesus Cristo, aquele que “usou de palavra breve”, pois nos transmitiu somente as palavras que o Pai Lhe tinha confiado (cfr. Jo 17,8).

Relevâncias do tema

Na síntese dos nossos fóruns, falou-se em realizar a leitura orante da Palavra de Deus em fraternidade semanalmente e em celebrar o capítulo local mensal, privilegiando momentos de oração e de retiro. Até mesmo surgiu a proposta da revitalização do nosso eremitério a fim de acolher pessoas que demandam por retiro e recolhimento. Não estaria tudo isso revelando a necessidade de privilegiarmos tempos e espaços de silêncio exterior que nos possibilitem adquirir e conservar a atitude interior de escuta e acolhimento da voz do Filho de Deus (cfr. CTORD 6)?

No entanto, evidenciou-se, sobretudo a necessidade de redimensionarmos as nossas presenças, primando pela qualidade de vida fraterna em vista da evangelização. Aqui, a reflexão de Clara e Francisco sobre o silêncio nos parece bastante oportuna. De fato, o redimensionamento diz respeito a um processo que requer de cada um de nós, e de todos nós juntos, uma grande capacidade de fazer silêncio, um grande esforço “por manter o silêncio” (RNB 11,2; RERM 3), como diria Francisco. E isso, tanto no sentido de nos colocarmos à escuta daquilo que o Espírito do Senhor nos fala no momento presente da História, como no sentido de silenciarmos todas as formas de calúnias e de discussões vãs (cfr. rnb 11,1; 2Tm 2,14).