quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Por que a Igreja não os quer como santos

Conheça as histórias de dois religiosos que o Vaticano desistiu de canonizar por causa de suas biografias
Rodrigo Cardoso

MADRE ÁGREDA
Em seu livro, ela ousou mudar a cartilha da Igreja e foi punida
A perfeição não é um dos pré-requisitos para a conquista da santidade, mas alguns desvios de currículo são fatais para impedir a ascensão aos altares – e a intolerância aos judeus no século XX, definitivamente, é um deles. Por isso a suspensão da beatificação de Dehon. Em contrapartida, frear uma canonização é um ato raríssimo de acontecer, pois o Vaticano breca o processo antes mesmo que ele comece, ao menor sinal de problemas com o postulante. Mesmo assim, há outros candidatos a santo vagando no mesmo limbo onde se encontra Dehon. Como a freira concepcionista espanhola Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665), que assumiu ter o dom da bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo). Em 1635, a Santa Inquisição abriu uma investigação contra a religiosa, que confirmou ter se deslocado 500 vezes entre a Espanha e o Novo México para evangelizar tribos de índios, sem nunca ter saído de seu mosteiro. Amiga e conselheira do rei Felipe IV, Ágreda foi absolvida. Foi, porém, um de seus livros, “Mística Cidade de Deus”, em que a religiosa relata a vida de Nossa Senhora, que gerou um conflito em torno de sua trajetória à beatificação. Em uma das passagens, é atribuído a Nossa Senhora – e não a Pedro – o governo da Igreja. 

A leitura da obra foi proibida pela Inquisição em agosto de 1681. O decreto foi abolido pelo papa Inocêncio XI três meses depois. O incidente, porém, tornou a sua causa apostólica um vespeiro. Dois papas – Clemente XIV e Pio XII – chegaram a assinar um documento promulgando o “decreto de perpétuo silêncio” sobre a causa da concepcionista. Nenhuma mulher recebeu tratamento tão duro em sua caminhada rumo à santidade. Atualmente, o corpo da religiosa está exposto no Convento de Ágreda, na Espanha. Está intacto, o que evidencia um sinal de santidade. Mas ninguém se arrisca a reabilitar a sua causa. “Com a beatificação da freira e vidente alemã Anna Catarina Emmerich e a canonização da mística polaca Fautina (Kowalska), feitas por João Paulo II, religiosos se movimentaram para pedir uma revisão das obras de Maria de Ágreda”, diz o cônego Celso Pedro da Silva, especialista em Sagrada Escritura.

PADRE DEHON
Acusado de antissemita, sua beatificação foi suspensa meses antes da cerimônia

Padre da diocese de Soissons, na França, João Leão Dehon (1843-1925) ficou famoso por fundar a Congregação Sagrado Coração de Jesus e imprimir um viés sociopolítico à sua atuação religiosa. Não demorou para que, após a sua morte, a comunidade francesa abrisse um processo de canonização em nome do religioso. Mas, pouco antes da data marcada para a cerimônia de beatificação, um passo antes da santificação, o Vaticano surpreendeu ao interromper os trâmites. Motivo: Dehon foi acusado de antissemita. “Não existe santo perfeito”, afirma o sacerdote e pesquisador de comunicação religiosa José Fernandes de Oliveira (Pe. Zezinho) no livro “João Leão Dehon – o Profeta do Verbo Ir” (Paulinas Editora).
Os dehonianos também aguardam uma reviravolta na causa do padre francês tachado de antissemita. A prudência em torno do caso Dehon falou mais alto em Roma porque bispos da França relataram a Bento XVI que o diálogo entre os sacerdotes e a comunidade judaica, naquele país, estava prejudicado com a iminência da beatificação do fundador da Congregação. “A doutrina da Igreja, hoje, manda citar os fatos e poupar as pessoas”, diz o padre Oliveira. Mas, em fevereiro de 1897, ao levantar a voz contra os capitalistas da França, o anarquismo de Pierre Proudhon e o socialismo de Karl Marx em uma conferência que tratava sobre o judaísmo, o capitalismo e a usura, Dehon bateu forte nos judeus e nas relações deles com a economia. “A usura voraz, os abusos da indústria, a facção que domina todas as fontes de riqueza: estas são as grandes obras dos judeus modernos”, disse ele. Generalizou e, 108 anos depois, pagou o preço da ousadia. 

O francês, porém, não pode ser acusado de orquestrar o ódio antissemita. Sociólogo, filósofo, teólogo e advogado, ele pensava a Igreja sob a ótica do engajamento sociopolítico. E o fazia em uma época em que, para muitos católicos, justiça social era engordar a esmola aos necessitados. Na fatídica conferência, Dehon desfilou uma série de gestos de bondade e respeito em relação aos judeus, reforçando o quanto eles foram injustiçados. Não propunha que nenhum povo fosse lançado à câmara de gás. Enfrentava grupos econômicos que manipulavam o dinheiro em uma Europa que se industrializava, massacrava gente humilde e se desumanizava. E entre eles estavam os judeus. Dehon ainda permanece no estágio de venerável, assim como a madre espanhola Ágreda. Para seus milhares de fiéis, eles já alçaram a santidade.

sábado, 5 de novembro de 2011

Sacerdotes Infelizes

Acontece em todas as religiões e em todas as igrejas. Soa como catástrofe. Alguém se sente chamado a ensinar caminhos de felicidade e promover ajustes e  acaba infeliz e desajustado. 

O Deus que ele anuncia não funciona para ele. Está infeliz, é infeliz e não consegue fazer os outros felizes. Pode ser enfermidade, pode ser lacuna no processo de formação. Pouco estudado ou culto, o fato é que precisa de ajuda e não aceita. Acha que não precisa. Mas todo mundo vê que seu pregador não é feliz. Seus gestos e atitudes o traem.

Insatisfação com lugar, ministério, transferência, estudos, resposta do povo, bebida, expectativas frustradas, promoção que não veio ingratidão, preterição, perda de motivação, rotina, abandono da leitura, abandono da prece, abandono da meditação, rotina dos sacramentos, sentimentos frustrados, tudo contribui para o azedume, o queixo caído, os sobrolhos crispados, as respostas bruscas, a impaciência, a ironia, as criticas, os queixumes e a murmuração.

E há o que persegue fama, diversão, mundanidades, conhece todos os vinhos, todos os pubs, todos os restaurantes finos, todos os teatros, todas as peças, todos os livros, todos os programas de televisão, mas tem dificuldade de atender o povo. Faz tempo que perdeu a gentileza e a paciência. E há o turista que viaja não para pregar, mas por viajar. E tira dias a três férias de 15 dias a pretexto de estudos que não faz. E há o sofredor, silencioso que faz tudo certo, mas por dentro não está feliz. Não sabe se lhe falta alguma coisa ou algum alguém. O fato é que não está feliz!

E há o investimento para os pais e para a irmã, o carro novo, a roupa estilizada, os amigos da alta roda, os ricos, os bajuladores, a indispensável cervejinha, as discussões, os gritos, as desfeitas, o silêncio e o mutismo...

Infeliz! Nada está bom, nada estará bom, nada vai dar certo. Lá ele não vai, isso ele não faz, desse jeito ele não quer! O bispo, o conselho, os superiores já nem não contam mais com ele. Deixam que faça o que quer, já que não faz o que deveria. E ele faz o que bem entende e, mesmo assim, não está satisfeito. Falta alguma coisa que com tanto estudo e leitura ele não sabe dizer o que é. Cria uma comunidade e conflita com ela. Funda  uma igreja e conflita com ela. Católico, evangélico ou pentecostal, seus colegas de ministério não sabem mais o que fazer por ele.

Há o que prega bonito quando o chamam. Falar ele sabe. Viver é que ficou difícil. Os casais percebem e oram por ele. Colegas oram, amigos oram. Mas ele não se apruma! Se alguém está errado este alguém não é ele!

Já tentou falar sério com um deles? Então já sabe qual foi a resposta. Já tentou tirar da água alguém que perdeu as forças? Aconselhamento, direção espiritual, psicólogo? Quantos aceitam?

Faça de tudo para não perder a motivação dos primeiros dias e coloque na sua mente e no coração, se é que você distingue entre os dois, a idéia de que foi ordenado para ser segundo e para servir; nunca procurar os primeiros lugares nem conforto nem sonhar alto demais. Foi chamado para estar lá, com os mais carentes e com o povo; ajudar com ou sem maiores repercussões, com ou sem reconhecimento, com ou sem conforto e, se for o caso, sem troféu nem aplausos. Ser simples em tudo é uma salvaguarda poderosa contra a infelicidade. Não há fórmulas mágicas, mas a disponibilidade salva e direciona.

De um venerando sacerdote que passou a vida ouvindo e aconselhando sacerdotes, religiosos e religiosas insatisfeitos, ouvi, numa conferência, uma frase marcantes a respeito de felicidade e infelicidade: “São mistérios administráveis pelo desapego”. Não sei se entendi o alcance de sua filosofia, mas sei aonde quis chegar. Numa noite de tempestade faltou energia na casa e acendi uma pequeníssima lanterna que tinha de reserva. O pequeno facho da pequena lanterna foi o suficiente para eu concluir o meu trabalho. Meu computador tinha carga para cinco horas... Armazenar pode ser o verbo!...