sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Juiz de Fora terá a primeira paróquia dedicada ao Beato João Paulo II do Brasil

A arquidiocese de Juiz de Fora (MG) terá a primeira paróquia do Brasil, autorizada pela Santa Sé, com o nome de Beato João Paulo II. O anúncio foi feito na quarta-feira, 24, pelo arcebispo metropolitano, dom Gil Antônio Moreira, durante o curso de atualização do clero da Província Eclesiástica de Juiz de Fora. A festa oficial de criação da Paróquia (com matriz na Rua Jeci Firmino Pinheiro, 30, bairro Nova Era) acontece no dia 22 de outubro.
Nesta semana, dom Gil, recebeu a confirmação de Roma de que esta é a primeira paróquia autorizada do Brasil a ter o nome do Beato João Paulo II. De acordo com o arcebispo, outras dioceses do Brasil fizeram o pedido de criação de paróquia com o nome do papa. No dia 1º de julho deste ano, o Vaticano enviou um decreto autorizando a arquidiocese a criar uma paróquia dedicada a João Paulo II.
O sacerdote nomeado para a comunidade é o padre João Francisco Batista da Silva. que já iniciou o serviço pastoral na nova comunidade no dia 18 de maio. “Antes de fazer o pedido ao Vaticano, dom Gil conversou com povo para saber a opinião deles. É uma alegria muito grande e uma honra termos a primeira paróquia do Brasil que vai prestar essa homenagem”, disse o padre João Francisco.

Postado por Blog da CNBB às 11:01
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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Comungar



Eucaristia significa "ação de graças". É o sacramento central da vida cristã. Entre os fiéis, não se costuma dizer: "Fiz a primeira eucaristia". O habitual é: "Fiz a primeira comunhão". Quem vai à missa diz: "Vou comungar". Quase nunca fala: "Vou receber a eucaristia".

Comunhão - eis uma palavra abençoada. Expressa bem o que a eucaristia significa. Comunhão vem da mesma raiz que a palavra comunicar.  Se comungo as mesmas ideias de uma pessoa é porque sinto profunda afinidade. Ela diz o que penso e exprime o que sinto. Na eucaristia comungamos: (1) com Jesus; (2) com os nossos semelhantes; (3) com a natureza; e (4) com a Criação divina.

Jesus instituiu a eucaristia em vários momentos de sua vida. O mais significativo deles foi a Última Ceia, quando tomou o pão, repartiu entre seus discípulos e disse: "Tomai e comei, pois isto é o meu corpo". A partir daquele momento, todas as vezes que uma comunidade cristã reparte entre si o pão e o vinho, abençoados pelo sacerdote, é o corpo e o sangue de Jesus que ela está compartindo. A palavra "companheiro" significa "compartir o pão". Na eucaristia, compartimos mais do que o pão; é a própria vida de Jesus que nos é ofertada em alimento para a vida terna, deste lado, e eterna, do outro.

Ao receber a hóstia consagrada - pão sem fermento - os cristãos comungam a presença viva de Jesus eucarístico. Nossa vida recebe a vida dele que nos revigora e fortalece. Tornamo-nos um com ele ("…que todos sejam um" (João 17,21). 

Ao instituir a eucaristia na Última Ceia, Jesus concluiu: "Fazei isto em minha memória". Fazer o quê? A missa? A consagração? Sim, mas não apenas isso. Fazer memória é sinônimo de comemorar, rememorar juntos. Ao comemorar os 500 anos da invasão portuguesa, o Brasil deveria ter feito memória do que, de fato, ocorreu: genocídio indígena, tráfico de escravos, exclusão dos sem-terra etc.

Fazer algo em memória de Jesus não é, portanto, apenas recordar o que ele fez há dois mil anos. É reviver em nossas vidas o que ele viveu, assumindo os valores evangélicos, dispostos a dar o nosso sangue e a nossa carne para que outros tenham vida. Quem não se dispõe a dar a vida por aqueles que estão privados de acesso a ela, não deveria se sentir no direito de aproximar-se da mesa eucarística. Só há comunhão com Jesus se houver compromisso de justiça com os mais pobres, "pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê" (I João 4,20).

A vida é o dom maior de Deus. "Vim para que todos tenham vida e vida em plenitude" (João 10,10). Não foi em vão que Jesus quis perpetuar-se entre nós naquilo que há de mais essencial à manutenção da vida humana: a comida e a bebida, o pão e o vinho. O pão é o mais elementar e universal de todos os alimentos. O vinho era bebida de festa e liturgia no tempo de Jesus. De certo modo, o pão simboliza a vida cotidiana e, o vinho, aqueles momentos de profunda felicidade que nos faz sentir que vale a pena estar vivos.

No entanto, há milhões de pessoas que, ainda hoje, não têm acesso à comida e à bebida. O maior escândalo deste início de século e de milênio é a existência de pelo menos 1 bilhão de famintos entre os 6,5 bilhões de habitantes da Terra. Só no Brasil, 30 milhões estão excluídos dos bens essenciais à vida. E inúmeras pessoas trabalham de sol a sol para assegurar o pão de cada dia. Em toda a América Latina morrem de fome, a cada ano, cerca de 1 milhão de crianças com menos de 5 anos de idade.

A fome mata mais que  a aids. No entanto, a aids mobiliza campanhas milionárias e pesquisas científicas caríssimas. Por que não há o mesmo empenho no combate à fome? Por uma simples razão: a aids não faz distinção de classe social, contamina pobres e ricos. A fome, porém, só afeta os pobres.

Não se pode comungar com Jesus sem comungar com os que foram criados à imagem e semelhança de Deus. Fazer memória de Jesus é fazer com que o pão (símbolo de todos os bens que trazem vida) seja repartido entre todos. Hoje, o pão é injustamente distribuído entre a população mundial. Basta dizer que 80% dos bens industrializados produzidos no mundo são absorvidos por apenas 20% de sua população. Ou seja, se toda a riqueza da terra fosse um bolo dividido em 100 fatias, 1 bilhão e 600 milhões de pessoas ficariam com 80 fatias. E as 20 fatias restantes teriam de ser repartidas para matar a fome de 4 bilhões e 900 milhões. Basta dizer que apenas 4 homens, todos dos EUA, possuem uma fortuna pessoal superior à riqueza somada de 42 nações subdesenvolvidas, que abrigam cerca de 600 milhões de pessoas!

Jesus deixou claro que, comungar com ele, é comungar com o próximo, sobretudo com os mais pobres. No "Pai Nosso" ensinou-nos uma oração com dois refrões, "Pai Nosso" e "pão nosso".

Não posso chamar Deus de "Pai" e de "nosso" se quero que o pão (os bens da vida) seja só meu. Portanto, quem acumula riquezas, arrancando o pão da boca do pobre, não deveria sentir-se no direito de se aproximar da eucaristia;

No capítulo 25, 31-44 de Mateus, Jesus enfatiza que a salvação se sujeita ao serviço libertador aos excluídos, com quem ele se identifica. E na partilha dos pães e peixes, episódio conhecido como “multiplicação dos pães”, Jesus ressalta a socialização dos bens da vida como sinal da presença libertadora de Deus.
         

Frei Betto

domingo, 21 de agosto de 2011

Não sei louvar direito

Seria bom louvar-te, exaltar-te e glorificar-te do jeito que mereces, mas sei que nunca poderei fazer isso, por causa dos meus limites, que são inúmeros. Então, permita-me, Senhor, louvar-te, exaltar-te do jeito que eu sei e do jeito que posso que é sempre um jeito pequeno. Mas quero cantar, pregar e escrever sobre as tuas maravilhas sem exagerar, sem falar demais de mim, lembrando-me do quanto és maravilhoso nos teus verdadeiros santos. 

Como eu ainda não sou um teu santo verdadeiro e dificilmente creio que a Igreja um dia me declarará modelo de santidade, eu fico com os santos que de fato são e foram verdadeiros e que servem como modelo de vida para os outros cristãos. Louvo-te por eles. 

Louvo-te por Helder, por Tereza, por Dulce, Por Zilda, por Luciano, por Luiz, Vicente, Camilo, João Paulo, João, Antônio, Aloísio, Paulo, Francisco e Clara e milhares de outros que viveram com e para os outros e o tempo todo voltados para a tua luz e para o teu colo. 


Sinto não ter chegado na minha idade ao grau de santidade que eles chegaram, muitos deles bem antes de mim. Mas sou encantado com os teus santos e com os que souberam dizer sim à tua graça. 

Espero que eles me acolham no céu, apesar de todos os meus limites e da minha incapacidade de ser como eles foram, mas quero ser teu e quero encontrá-los lá e, para isso, conto com a tua graça e, certamente, com a intercessão deles. 

Não serei nunca um santo modelo, mas gostaria de ser um santo ou alguém que se esforçou para ajudar os outros e, quando errou, pediu perdão curvou-se, pediu perdão, humilhou-se e tentou se corrigir. Isso, Tu sabes! Não importa se o mundo não sabe: tu viste, tu sabes, tu conheces a minha vontade de acertar e tu sabes do esforço que fiz para reparar meus erros, todas as vezes que errei! E é por isso que confio na tua misericórdia! 



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Contemplativos no mundo


A palavra contemplação evoca imediatamente para nós a idéia de monges, frades, homens ou mulheres de clausura e consagrados à oração, vivendo em rigorosa ascese e distancia do mundo e das ocupações cotidianas da maioria dos seres humanos.

Uma certa tradição religiosa nos ensinou que para contemplar é necessário isolar-se, fazer silencio, retirar-se.  Tudo isso exige, portanto, que a pessoa deixe a secularidade e as correntes da história e do século para recluir-se em espaços estritamente feitos e preparados para a vida monacal. Hoje, no entanto, a contemplação com tudo que implica de gratuidade e entrega radical não é mais apanágio de religiosos e monges.  Os leigos começam cada vez mais, nestes tempos mutantes e pós-modernos, a sentir a atração deste gênero de vida que desde sempre recebeu a adesão do ser humano em sua busca pela Transcendência.

Homens e mulheres de hoje, como os de todo tempo, continuam a experimentar o drama de sentir-se limitados e frágeis e, no entanto, feitos para a união com o Sem-limites.  E, no fundo mais profundo de si próprio, se percebem habitados pelo desejo ardente e incontrolável  de entrar em comunhão com esta incompreensível realidade que se chama sagrado, ou sublime, ou Deus - a qual, devido ao fato de ser incompreensível não é sentida como menos real - de tocar e ser tocados  pela Beleza Infinita; de tremer de amor sendo possuídos pela santidade divina, pelo Mistério Invisível que atrai e seduz e cuja vida chama a participar e se integrar. Este mistério de Alteridade que lhes propõe a profunda comunhão na gratuidade.  O amor passa, então, a governar suas vidas e a transformá-las segundo a inexorabilidade e a radicalidade de Sua vontade.

O princípio de toda experiência religiosa  encontra um denominador comum no desejo seduzido, a inclinação fascinada e irresistivelmente atraída pelo mistério do Outro, que envolve, seduz e apaixona  com sua beleza e sua “diferença”, que provoca o impulso incontrolável de aproximação, abraço e união.

Este mistério que atrai e seduz, no entanto, não deixa de amedrontar e provocar distanciamento reverente e trêmulo, de humildade pobre e impotente  (cf. Ex 3,6-7): “ E Moisés cobriu o rosto, porque não ousava olhar para Deus “). É a violência mesma da atração que submete e se parece a uma torrente volumosa e apavorante, ou a um “fogo devorador” que devora e consome, mas ao mesmo tempo embriaga e delicia, o que a faz ser sentida tão radicalmente ameaçadora e inexorável como a própria morte, apesar de que seu segredo seja a fonte da vida. 

É assim que a esposa do Cântico dos Cânticos, ferida de amor pela visão do Amado, geme, “enlanguesce de amor”(CT 2,5) e exclama: “ o amor é forte como a morte e a paixão violenta como o abismo”(Ct 8,6).  São João da Cruz, no ponto mais alto da união mística e da inefável experiência unitiva com Deus, joga com as palavras morte-vida para tentar descrever a experiência ao mesmo tempo gozosa e dolorosa que o amor de Deus faz viver.

É um fato, portanto, que o Eros divino se apresenta sempre como mais forte que o ser humano, vencendo suas resistências e se impondo por sua majestade.  Sob o toque ao mesmo tempo suave e violento de seu amor, o profeta inclina a nuca e se rende, exclamando: “Tu me seduziste, Senhor e eu me deixei seduzir.  Foste mais forte que eu e me venceste!” (Jr 20,7).   E, sob sua liderança, a esposa infiel retorna sobre seus passos, abandona seus amantes e se deixa docilmente conduzir ao deserto, à nudez e ao despojamento do primeiro amor da juventude.  (cf. Os 2,16ss)

Ao mesmo tempo, no entanto, com seu irresistível poder de atração, e uma vez conquistado e “ferido” o coração humano, o Outro Bem-amado se esconde, retirando-se da capacidade de ser atingido por aquele ou aquela em quem ele acendeu uma chama inextinguível de desejo.  Ele se revela, assim, como o imanipulável, sobre o qual o ser humano não tem poder, mas ao contrário, deixa bem claro que é o próprio ser humano aquele que deve viver sob sua dependência.  O deus assim desejado e experimentado não se rende às impaciências frenéticas  do homem, nem a sua ansiedade apaixonada, mas, soberanamente livre, vai encher com sua plenitude quando e como desejará, a pobreza expectante e humilde que não deixa de desejá-lo e buscá-lo onde ele se deixa encontrar, para dele receber a salvação ( a saúde) e a santidade.

Toda esta profunda e fascinante experiência está sendo cada vez mais buscada não apenas  por monges e monjas, mas por leigos e leigas, pessoas de fé que têm uma profissão, uma carreira, uma família e que procuram mosteiros e casas de retiro para ali passar largos momentos dedicados à contemplação.  Estes contemplativos voltam depois ao mundo banhados e purificados pela contemplação na qual mergulharam e seu olhar transfigurado vai olhar as coisas de nova maneira, sendo possível então para eles e elas transformar a história na qual habitam com a mesma luz e o mesmo amor pelos quais foram transformados.

A diminuição de vocações contemplativas em muitas partes do mundo não significa, portanto, o fim da vida contemplativa.  Significa que esta continuará mais importante que nunca talvez, mas reconfigurada e com novos protagonistas: os leigos e leigas que sedentos de Absoluto buscam o silencio e a quietude para desfrutar da intimidade de um Deus que se revelou como Amante e deseja ser Amado.
Autor: Maria Clara Lucchetti Bingemer


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cântico do sol de uma clarissa

Louvado sejas, meu Senhor, pelo Irmão Sol de nossa vida consagrada, que é a Eucaristia. É Ele que dá vida, calor, sentido a toda a nossa existência no claustro.

Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Lua, terna e meiga, irradiante da luz do sol, Maria, a suave e serena presença materna em nossa noite.

Louvado sejas, pelas Irmãs Estrelas, algumas fulgurantes: Francisco e Clara, e tantos outros santos que brilham em nossa caminhada, acenando que a santidade é possível.
São rastros luminosos que nos animam e despertam.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo Irmão Vento, o teu Espírito Santo, que sopra onde quer: desinstala nossas seguranças humanas,  desequilibra nossas posições terrenas e enfuna nossa vela com o inexplicável.


Louvado sejas, Meu Senhor, pelo Irmão Fogo, que és Tu mesmo, iluminando e incendiando com o Divino Fulgor humano de teu Evangelho, transformando com o vigor de tua presença viva tudo aquilo que tocas.

Louvado sejas, Meu Senhor, pela Irmã Água, a tua Graça que despercebida e humildemente penetra com eficácia divina toda a nossa existência.
Divino dom que, imperceptivelmente, cura, lava, rega, encharca nossa árida terra interior, e faz daí surgirem as fontes do Espírito.

Louvado sejas, meu Senhor, por nossa Irmã, a Terra-Mãe,a Santa Igreja, que nos acolhe em seu seio, nos alimenta, nos orienta. Nela enraizada, temos a segurança de desabrochar, florir, produzir. 


Louvado sejas pelos irmãos que colocaste em minha caminhada: fraternidade plantada por ti. Experiência do Amor divino que se revela no outro. Chance de, já aqui na terra, contemplar a face de Deus,na gratuidade de um sorriso, na segurança de uma mão amiga.

Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Morte que nos integrará na plenitude da vida. Suave e querida morte, porta que nos descortinará o horizonte da eterna posse daquele que é a suprema Vida.

Louvemos e bendigamos a nosso Deus e Pai no seu infinito amor rendamos-lhe  graças e o sirvamos com humildade extrema.



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fome e seca: assim a Africa morre

Fazendo memoria às preocupações de Clara de Assis. -11 de Agosto -
Nas celebrações que lembram Clara de Assis, a figura do pobre, a real preocupação de Clara e Francisco, se faz presente. Os pobres de ontem e os pobres de hoje. Que diferença há? E se Clara e Francisco vivessem na Africa? Na de ontem, na de hoje. Que diferença há?

A fome. A fome tem uma força tremenda, sacode, destrói, deforma, aniquila homens, regiões, povos. É metódica, trabalha com paciência, não tem pressa. Presenteia, entre todos, a morte mais humilde e tranquila.

Nos olhos desses moribundos, não se lê sinais de vida ou de expressão. Molécula após molécula, a fome espreme as gorduras e seca as albuminas das células humanas. Torna os ossos tão frágeis que se quebram ao toque, faz encurvar as pernas das crianças, dilui o sangue que flui sem força e sem peso, faz girar a cabeça, disseca os músculos, corrói por fim o tecido nervoso.

Esse é o primeiro passo: depois, a fome esvazia a alma, afugenta a alegria e a esperança, tira a força de pensar e provoca resignação, egoísmo, crueldade, indiferença.

Em Ogaden, na Etiópia, mães, cegas pela fome, jogaram seus filhos nos poços secos, deixaram-nos na beira da estrada, apoiados em um arbusto. Sem se voltarem para trás, recomeçaram a caminhar, passo a passo. Alimento, comida, comer alguma coisa, qualquer coisa: grama seca, dejetos, arbustos, raízes, animais mortos. Por causa da fome, o homem perde o que o torna humano.

O lugar do que falamos chama-se Daab. Localiza-se no Quênia do Norte, a 80 quilômetros da fronteira com a Somália. Por que falamos disso? Dez, doze milhões de pessoas vítimas da carestia que correm o risco de morrer de fome no Chifre da África? Os números são coisas abstratas, não nos dizem nada. Os rostos sim. Os que encontramos em Daab, o maior campo de refugiados no mundo: 400 mil pessoas, 54 mil apenas em junho, três vezes mais do que em maio.

Depois, na semana passada, o ritmo acelerou ainda mais, 20 mil. Agora, todos os dias chegam quase 2 mil. 

E depois há os outros, aqueles que permaneceram na selva marcando a estrada, sobretudo crianças menores de cinco anos, esqueletos castigados pelos ventos áridos e secos do deserto, para guardar outros esqueletos, os rebanhos mortos diante de poços já secos que ardem na onda de calor feroz.

Um quarto dos somalis foge do seu país reduzido a uma plaga amaldiçoada pela guerra e pela seca. A sua culpa, se fosse possível dizer, é de não saber qual é a sua culpa. Se a caridade internacional os recusa, se a piedade os rejeita nada mais os acolherá, e ninguém vai salvá-los. Os homens do Alto Comissariado para os Refugiados da ONU se consomem para alimentar, cuidar, acolher. Um novo campo deve ser construído não muito longe daqui, outros já estão em projeto. Mas a caridade internacional se cansou, a Somália evoca confusões, desastres e decepções.

Ontem, o secretário das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lançou um apelo pelos "11 milhões de homens que, na África do Leste, não podem esperar", porque "é preciso pôr fim ao sofrimento agora, já". Ele lembrou que só a metade do um bilhão e meio de dólares necessários para a operação de socorro está disponível. Agora, todos falam da seca, acusam a Natureza.

Como Elisabeth Byis, porta-voz do escritório de coordenação de assuntos humanitários da ONU: "Não se via nada semelhante há 60 anos. A seca se somou à do ciclo anterior da qual estas áreas ainda não haviam se levantado. O gado, sem nutrição, começou a morrer, e depois os homens, porque os preços dos alimentos explodiram". Eis os elementos daquela que poderia se tornar, nos próximos dias, "uma tragédia de proporções inigualáveis".

Certamente, a natureza tem a sua culpa: a seca chegou e devorou tudo, o verde, as culturas, os rios, as acácias que definham na savana cobertas de poeira. No entanto, é preciso gritar tudo isso, para que não haja confusão, para que, divididos pela responsabilidade, nem todos nos confraternizemos, no fim, na mentira.

A Grande Fome (novamente, como a 20 anos, nos mesmos lugares: isso não lhes diz nada?) não depende da meteorologia, mas sim de um círculo fechado desumano. Na Somália, no Ogaden da Etiópia, no norte do Quênia, as pessoas convivem com a seca desde sempre, se deslocam, se esforçam, desfrutam todo riacho, toda poça, resistem. O que os mata, o que os transforma em fugitivos que dependem de caridade são a guerra e a política. A 20 anos, de uma carestia à outra, a Somália não tem paz: antes, os senhores da guerra, depois os shabab, os islâmicos que querem construir sobre a tragédia a sua sociedade perfeita, divina.

Tudo está abalado e invertido, não há Estado, nem mesmo aquele miserável e degradado da África desesperada. Um povo inerme é refém da loucura política. O Ocidente, prepotente e falador, observou tudo isso com uma curiosidade intensa que desperta coisas assustadoras. Depois, zangado, alimentou a guerra para se livrar dos islâmicos, sem sujar suas mãos.

Por fim, se esqueceu deste pedaço de humanidade muito complicado e periférico. Agora, os shabab anunciaram que permitirão que organizações de ajuda entrem nos territórios por eles controlados para prestar ajuda. Antes que seja tarde demais. Outra vez.

Autor: Domenico Quirico


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A qualidade da constância

Nelson Mandela exemplo de perseverança.

“Ora, o Senhor conduza o vosso coração ao amor de Deus e à constância de Cristo.” 2 Ts 3.5

Há uma qualidade a ser buscada diariamente por nós: a constância. Está ligada à estabilidade, continuidade, perseverança, persistência e a outros conceitos sinônimos. A constância tem sido garimpada no mercado de trabalho. Não existem, em grande número, profissionais que mantenham seu desempenho com regularidade. Há o fenômeno dos que revelam iniciativas, contudo, sem conduzir seus projetos até o final.

Falta a esses o que chamaria de “começo, meio e fim”. Projetos que iniciados não chegam a uma conclusão resultam em frustração para os envolvidos. Por isso é sempre melhor começar alguns projetos e chegar até a conclusão do que iniciar vários e a nenhum, ou poucos, consumar. A constância é a ferramenta ideal que não nos deixa parar durante a caminhada, a não ser que seja para retomar o fôlego e voltar à estrada.

São Paulo sempre evidenciou conhecer a alma humana. Sabia o apóstolo que a constância se não estiver presente na vida do cristão deixa este de crescer e amadurecer espiritualmente tornando-se imaturo e despreparado para enfrentar os desafios da vida.

Oremos
Amado Pai, rogo que me ajudes a enfrentar os desafios que me
são impostos sem jamais perder a alegria. Sei que tu estás presente
comigo. Por isso, não temerei. Em nome de Jesus. Amém
  
Fonte: LPC.org.br

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"Jesus com suas amigas"

Contemplando Lucas 10,38-42

Eu estava no jardim, quando vi Jesus chegar à casa de seus amigos, Lázaro, Marta e Maria. Eu trabalhava para eles como jardineiro, em Betânia.

Jesus foi recebido com alegria por Maria, ainda no portão. Ao entrar, me cumprimentou com um sorriso e um aceno de cabeça. Marta, logo que viu Jesus, correu esbaforida casa adentro para arrumar tudo que, segundo ela, estava à maior bagunça.

Maria sentou-se com Jesus sob um pé de romãs e começaram a conversar. Ele contava de suas caminhadas pela Galiléia, as pessoas que encontrara tudo o que acontecera naqueles dias. Maria ouvia as palavras de Jesus e as guardava no coração.

Ele começara a contar do diálogo que tivera com um doutor da lei sobre quem é o nosso próximo quando Marta os interrompeu; com as mãos na cintura e com uma expressão zangada disse:
 - Mestre, não vês que estou ocupada enquanto minha irmã fica aí, a ouvi-lo, sem em nada me ajudar? Peça a ela que cuide também de preparar a casa para recebê-lo...

 Realmente, desde que Jesus chegara, Marta havia varrido a casa, arrumado a cozinha e preparado um lanche que estava agora sobre a mesa.

 Maria baixou os olhos envergonhada. Jesus ergueu-se sorrindo e caminhou até Marta. Ao passar por Maria afagou sua cabeça, num gesto de carinho quase imperceptível. Aproximou-se e abraçou Marta que tinha nas mãos um prato com broinhas de fubá que acabara de fazer. Jesus apanhou uma broinha, ainda quentinha, deu uma mordida e falou:

 - Que delícia Marta, você é mesmo uma cozinheira fantástica, mas há um pequeno problema...

 E Jesus passou o braço em torno do ombro de Marta e foi levando-a, meio que empurrada, para o jardim, onde estava Maria.

 - Marta, minha querida Marta, você se preocupa com muitas coisas e não tem tempo para o mais importante. Maria soube escolher o melhor e isso não lhe será tirado. Quanto a você...

 - Desculpe Senhor, disse Marta, eu concordo com o que dizes, mas enquanto falavas já comestes duas das minhas broinhas.
 Jesus deu uma gargalhada e tomou de Marta o prato de broinhas fumegantes.

 - Pois vou comê-las todas, pois está mesmo uma delícia. Mas Marta, veja bem nós não poderíamos ter sentado, conversado, matando as saudades primeiro? Você se preocupa muito com as obrigações a cumprir, que tudo esteja certinho,  arrumado a tempo e a hora. Quanto às broinhas, nós poderíamos até tê-las feitos juntos! Olha, as suas são especiais, mas eu sei uma receita que mamãe me ensinou...

 Marta sorriu e rendeu-se, sentando-se ao lado de Maria. A tarde foi caindo junto com o sol atrás das montanhas. No jardim, os três conversavam animadamente sob os galhos de  romã.

Eu me aproximei e contemplei aquela cena cheia de doçura e simplicidade. Jesus tinha no colo um prato vazio. Olhou para Marta, um sorriso maroto, e disse: “Nem só de pão vive o homem... mas essas suas broinhas..."
Autor: Eduardo Machado