terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

QUARESMA: EM BUSCA DE UMA NOVA ASCESE


Autora: Maria Clara Lucchetti Bingemer

A Quaresma já vai avançada. Daqui a pouco mais de duas semanas terá início a Semana Santa, que culmina com a celebração da Paixão e da Páscoa.  Durante este tempo, a Igreja convida os fiéis à penitência e à conversão, enquanto acompanham Jesus de Nazaré em seu caminho para a Paixão.

Não se trata de uma prática antiquada e sem sentido para os dias de hoje.  Trata-se de um tempo especial de purificação que prepare para viver o grande mistério da morte e ressurreição do Senhor. E neste processo, a ascese é de fundamental importância, embora a palavra esteja em desuso e possa provocar repulsa ou estranhamento.

Vivemos em uma cultura movediça e cambiante onde os sentidos são acossados diariamente com estímulos constantes, para nos levar ao consumo desenfreado, à tirania do prazer, à avidez do ter e do possuir, aos quais é muito difícil resistir.  Há profissionais talentosos regiamente pagos para descobrir nossas fragilidades e atingi-las.

Esta cultura transtorna nossa interioridade, pois trabalha fundamentalmente em nossos sentidos, provocando sensações às vezes tão intensas, refinadas e contínuas, que podem entrar em nós sem tornar-se percepções conscientes, e muito menos elaboradas com um pensamento próprio. Há, portanto, para cada um de nós, cidadãos da pós-modernidade, um risco constante de viver permanentemente no fluxo contínuo das sensações que chegam aos nossos sentidos.

Essas sensações começam a circular dentro de nós, nos seduzem e passam a formar parte de nosso universo interior. São direcionadas as nossas fomes e sedes naturais, e excitam as fomes e sedes artificiais e fictícias provocadas pelo mercado. Sutilmente ou mesmo grosseiramente, vão se apropriando de nossos sentimentos e de nossas decisões. Esta maneira de viver, submetidos à adicções criadas e mantidas artificialmente, começa a impedir-nos de enfrentar a realidade e seus desafios.  Vai gerando em nós alienação, e condutas viciadas e compulsivas.

Na contramão dessa cultura do consumo e do bem-estar, a Igreja propõe a ascese. A palavra grega ascese quer dizer exercício.  Trata-se de exercitar-se para recuperar o domínio de si e não ser joguete dócil da propaganda e da cultura de sensações.  Exercitar o corpo e o espírito a fim de não se submeter a todas as adicções que a sociedade nos apresenta incessantemente.

Sob esta luz, portanto, o jejum tem pleno sentido. Assim também os exercícios físicos na justa medida.  Abster-se de comida, de álcool, de fumo e também do uso imoderado da internet e da televisão, do jogo, da droga, do alucinógeno não apenas permite ao corpo e ao espírito estarem mais disponíveis para a oração e o serviço. O corpo em jejum e adestrado, o espírito vigilante e diligente são terra árida para as compulsões do consumo. Fazem-nos mais livres e dispostos para aquilo que é realmente importante, deixando de lado o que aliena e anestesia.

Tem também sentido a oração, caminho de gratuidade que não controlamos nem manipulamos, onde um Outro absoluto conduz e tem as rédeas de uma experiência que não podemos produzir, mas apenas esperar, dispor-nos, acolher agradecidamente.  Em uma cultura onde tudo está ao alcance de um “clic” e se consegue em segundos entrar mais a fundo nos tempos de Deus, que se move em ritmo de eternidade, é um excelente e sadio exercício.

Assim também o despojamento pessoal expresso na esmola dada ao pobre, na ajuda ao necessitado, em todas as obras de misericórdia: visitar os doentes, vestir os nus, alimentar os famintos e dar de beber aos sedentos, fazer-se presente nos cárceres vários de cada dia, cuidar das crianças, atender os idosos.  Tudo isso nos tira de nós mesmos e nos volta para os outros, na contramão de uma cultura que nos ensina que há que guardar acumular, entesourar, investir, multiplicar os próprios bens.

A razão de ser de todo esse exercício ascético nos será revelada em uma vida mais livre, em um coração mais aberto e disponível para acompanhar Jesus que, à frente de seus discípulos, caminha para Jerusalém tendo diante dos olhos apenas a vontade do Pai e o desejo de realizá-la. Para segui-lo em uma cultura como a nossa é imprescindível exercitar-se.  A Quaresma pretende ser uma ocasião propícia para isso.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Paulo, o apóstolo


Em 25 de janeiro, celebrou-se a festa de Paulo de Tarso, que dá nome à capital paulista. Sobre ele temos informações graças a 13 cartas que escreveu e ao relato do evangelista Lucas, com quem fez viagens missionárias, intitulado Atos dos Apóstolos – documentos que integram o Novo Testamento.

 Paulo ou Saulo nasceu provavelmente no ano 1 de nossa era e faleceu em 64, aos 63 anos, em Roma. Seus pais haviam emigrado da Palestina para Tarso. Judeus piedosos evitaram matricular o filho em escolas gregas. Tão logo completou 14 anos, Paulo foi remetido a Jerusalém, onde morava sua irmã casada. Estudou na mais renomada escola rabínica da época: “aos pés de Gamaliel” (Atos 22, 3).

 Seus textos demonstram sólida formação teológica. E era excelente escritor. Seu “Hino ao Amor” (1 Coríntios 13, 1-13) é dos mais belos poemas da literatura universal: Ainda que eu falasse / a língua dos homens e dos anjos, / e não tivesse amor,/ seria como o bronze que soa / ou o címbalo que tine…

 Paulo encontrava-se entre os apedrejadores do jovem levita Estevão, condenado por “blasfêmia” por haver se tornado cristão. As vestes dos executores foram depositadas “aos pés de um jovem, chamado Saulo” (Atos 7, 58).

 Tornou-se inimigo dos cristãos: “Persegui de morte esta doutrina, acorrentando e encarcerando homens e mulheres” (Atos 22, 4). Tinha ele 28 anos: “Fui com o objetivo de ali prendê-los (os cristãos) e trazê-los acorrentados a Jerusalém, onde seriam castigados. Ora, estando eu a caminho e aproximando-me de Damasco, pelo meio-dia, de repente me cercou uma intensa luz do céu. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Respondi: “Quem és, senhor? ”E ele me disse: “Sou Jesus Nazareno, a quem persegues.”  (Atos 22, 5-10).

 Em Damasco, ao pregar nas sinagogas, despertou-lhe a vocação apostólica. Pouco depois se retirou ao deserto, talvez para se preparar, espiritual e teologicamente, em alguma comunidade judaica-cristã. Ali permaneceu 13 anos! Nada se sabe sobre esse período da vida dele.

 Aos 41 anos, Paulo dirigiu-se a Jerusalém para “visitar” o chefe da nascente Igreja, Pedro (Gálatas 1, 18).

  Paulo dedicou mais de 14 anos a viagens missionárias. Percorreu cerca de 15 mil km e enfrentou todo tipo de dificuldades: foi açoitado, apedrejado, preso, assaltado; naufragou, sentiu-se traído, passou fome, frio e noites sem dormir (2 Coríntios 11, 24-27), exposto “ao perigo a todo o momento” (1 Coríntios 15, 30).

  Nem sempre é fácil adequar à mudança do modo de pensar com a do agir. Foi o que ocorreu a judeu-cristãos de Jerusalém e a Pedro. Acreditavam que um pagão convertido ao cristianismo deveria primeiro, aceitar certos rituais judaicos, como a circuncisão e as práticas de pureza. Paulo discordava. Para ele, um pagão podia abraçar a fé em Cristo sem a menor observância à lei mosaica. Frente ao impasse, no ano 51 ele participou, em Jerusalém, do primeiro Concílio da história da Igreja.

 Logo depois, em Antioquia, ocorre um incidente entre ele e Pedro. Eis o que Paulo escreveu na Carta aos Gálatas (2, 11-14): “Quando Pedro foi a Antioquia, eu o enfrentei em público, porque ele estava claramente errado. De fato, antes de chegarem algumas pessoas da parte de Tiago (bispo de Jerusalém), ele comia com os pagãos; mas, depois que chegaram, Pedro começou a evitar os pagãos e já não se misturava com eles, pois tinha medo dos circuncidados. Os outros judeus também começaram a fingir e até Barnabé se deixou levar pela hipocrisia. Quando vi que eles não estavam agindo direito, conforme a verdade do Evangelho, eu disse a Pedro, na frente de todos: “Você é judeu, mas está vivendo como os pagãos e não como os judeus. Como pode, então, obrigar os pagãos a viverem como judeus?””

 Paulo não era contra os judeu-cristãos observarem a lei mosaica. Encarava isso com  tolerância. A questão se complicou ao perceber Pedro mudar seu modo de agir e passar a admitir que a salvação não viria apenas como dom gratuito de Cristo, mas também pelo cumprimento da lei de Moisés. Ao retomar antigos costumes judaicos, Pedro fez os pagão-cristãos se sentirem inferiores aos judeu-cristãos, como se fossem fiéis de segunda classe.

 Paulo fazia questão de não ser um peso às comunidades que o acolhiam. Sustentava-se com o seu ofício de fabricante de tendas e de objetos de couro (Atos 18, 3).

  Ao chegar a Atenas, sugeriram-lhe ir ao Areópago, a colina de Marte, onde se reuniam os interessados em filosofia. Ali exercitou toda a sua pedagogia evangelizadora: valorizou seus ouvintes como “extremamente religiosos” (Atos 17, 22) e, ao deparar-se com um altar dedicado “ao Deus desconhecido”, soube tirar proveito: “Aquele que venerais sem conhecer é este que vos anuncio” (Atos 17, 23). E parafraseando Arato, poeta conhecido pelos gregos, concluiu que Deus “não está longe de cada um de nós; é nele que vivemos nos movemos e existimos” (Atos 17, 27-28).

 Para tempos de fundamentalismos religiosos, Paulo deixou importante legado por seu testemunho de quem passou de perseguidor a perseguido; de membro da elite a pregador itinerante; de fariseu intolerante a cristão dotado de espírito ecumênico; de legalista a misericordioso.

 Paulo soube ser grego com os gregos e judeu com os judeus; respeitou a hierarquia da Igreja sem deixar de criticar inclusive o papa, Pedro; demonstrou que o contrário do medo não é a coragem, é a fé.

 Místico, Paulo ousou exclamar: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2, 20).

Autor: Frei Betto

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A FÁBULA DAS TRÊS ÁRVORES



Havia, no alto da montanha, três pequenas árvores que sonhavam o que seriam depois de grandes.

A primeira, olhando as estrelas, disse: "Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros. Para tal, até me disponho a ser cortada."

A segunda olhou para o riacho e suspirou: " Eu quero ser um grande navio para transportar reis e rainhas."

A terceira árvore olhou o vale e disse: " quero ficar aqui no alto da montanha e crescer tanto que as pessoas, ao olharem para mim, levantem seus olhos e pensem em Deus."

Muitos anos se passaram e certo dia vieram três lenhadores pouco ecológicos e cortaram as três árvores, todas ansiosas em serem transformadas naquilo com que sonhavam.

Mas, lenhadores não costumam ouvir e nem entender sonhos!... Que pena!

A Primeira árvore acabou sendo transformada num cocho de animais, coberto de feno.

A segunda virou um simples e pequeno barco de pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias.

E a terceira, mesmo sonhado em ficar no alto da montanha, acabou cortada em altas vigas e colocada de lado em um depósito.

E todas as três se perguntavam desiludidas e tristes: "Para que isso?"

Mas, numa certa noite, cheia de luz e de estrelas, onde havia mil melodias no ar, uma jovem mulher colocou seu neném recém-nascido naquele cocho de animais.

E de repente, a primeira árvore percebeu que continha o maior tesouro do mundo...

A segunda árvore, anos mais tarde, acabou transportando um homem que acabou dormindo no barco, mas quando a tempestade quase afundou o pequeno barco, o homem se levantou e disse: "Paz"! E num relance, a segunda árvore entendeu que estava carregando o Rei dos Céus e da Terra.

Tempos mais tarde, numa Sexta-Feira, a terceira árvore espantou-se quando suas vigas foram unidas em forma de Cruz e um homem foi pregado nela. Logo sentiu-se horrível e cruel.
Mas, logo no Domingo, o mundo vibrou de alegria e a terceira árvore entendeu que nela havia sido pregado um homem para salvação da humanidade, e que as pessoas sempre se lembrariam de Deus e de seu Filho Jesus Cristo ao olharem para ela.


MORAL DA HISTÓRIA:

As árvores haviam tido sonhos... mas as suas realizações foram mil vezes melhores e mais sábias do que haviam imaginado.

Temos os nossos sonhos e nossos planos que, por vezes, não coincidem com os planos que Deus tem para nós; e, quase sempre, somos surpreendidos com a sua generosidade e misericórdia.

É importante compreendermos que tudo vem de Deus e crermos que podemos esperar Nele, pois Ele sabe muito bem o que é melhor para cada um. 

domingo, 6 de fevereiro de 2011

NÃO PERCA O ENCANTO PELA VIDA

Viver é uma aventura, e, diga-se de passagem, uma aventura muito bela. Descobrem a beleza da vida, as almas que nunca perdem o encanto e a ternura diante de cada novo dia e de cada nova experiência.
Enche-se de leveza e alegria o coração que nunca perde a novidade, e que enfrenta as realidades, a cada dia, como se tudo fosse novo, encantando-se diante da criação e diante da beleza presente nos detalhes do existir. Ao contrário, quem perdeu o encanto com a vida e a enxerga com ares de “hora extra”, acreditando já ter contemplado tudo o que ela tem a oferecer, acaba por conceber a existência como um peso, como realidade opaca e destituída de significado.
Uma das piores coisas do mundo, pior até que “dor de dente”, é conviver com alguém que se cansou de viver, que vê a vida de maneira distorcida e negativa, em virtude das marcas que o passado lhe acrescentou… Quem fica com os olhos fixados no passado se torna incapaz de ver o presente. E quem não o vê está morto. Não existe maior expressão de morte para alguém do que deixar de enxergar o mundo e o presente, como se fosse a primeira vez…
Que as dores – que vivemos – não nos roubem o olhar de esperança diante de cada situação.
Nosso presente é o presente que Deus nos entrega, e cabe a nós, com o auxílio e a graça d’Ele, reconstruir no hoje, as belas e originais ilustrações e formas de nossa história.
Fomos criados para a felicidade, independentemente do nosso passado e das dores que vivenciamos. Ser feliz não é viver sem sofrimentos, mas é saber crescer com estes, não permitindo que eles nos aprisionem.
Não existe realização sem luta e desafio. Quem luta por sua felicidade já a alcançou, é apenas uma questão de tempo. É possível ser feliz no hoje. A felicidade é sempre uma real possibilidade, depende apenas da forma como enxergamos a vida.
Nunca desista de lutar pela vida e por seus sonhos, saiba que você é muito mais do que seu passado e suas escolhas erradas. Creia que hoje, agora, é o momento ideal para ser feliz!
Adriano Zandoná

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O GAROTO DAS MEIAS VERMELHAS


Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito. Na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa.

Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas.

Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas. Ele falou, com simplicidade: No ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo.

Colocou em mim essas meias vermelhas. Eu reclamei. Comecei a chorar. Disse que todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas.

Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias vermelhas. Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando visse um menino de meias vermelhas, saberia que o filho era dela.

Ora, disseram os garotos, mas você não está num circo. Por que não tira essas meias vermelhas e as joga fora?

O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés, talvez para disfarçar o olhar lacrimoso e explicou: É que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora. Por isso, eu continuo usando essas meias vermelhas. Quando ela passar por mim, em qualquer lugar em que eu esteja, ela vai me encontrar e me levará com ela.

Muitas almas existem, na Terra, solitárias e tristes, chorando um amor que se foi. Colocam meias vermelhas, na expectativa de que alguém as identifique, em meio à multidão, e as leve para a intimidade do próprio coração.

São crianças, cujos pais as deixaram, um dia, em braços alheios, enquanto eles mesmos se lançaram à procura de tesouros, nem sempre reais.

Lesadas em sua afetividade, vivem cada dia à espera do retorno dos amores, ou de alguém que lhes chegue e as aconchegue.

Têm sede de carinho e fome de afeto. Trazem o olhar triste de quem se encontra sozinho e anseia por ternura.

São idosos recolhidos a lares e asilos, às dezenas. Ficam sentados em suas cadeiras, tomando sol, as pernas estendidas, aguardando que alguém identifique as meias vermelhas.

Aguardam gestos de carinho, atenções pequenas. Marcam no calendário, para não se perderem, a data da próxima visita, do aniversário, da festividade especial.

Aguardam...

São homens e mulheres que se levantam todos os dias, saem de casa, andam pelas ruas, sempre à espera de que alguém que partiu, retorne.

Que o filho que tomou o rumo do mundo e não mais escreveu, nem deu notícia alguma, volte ao lar.

São namorados, noivos, esposos que viram o outro sair de casa, um dia, e esperam o retorno.

Almas solitárias. Lesadas na afetividade. Carentes.

* * *

O amor, sem dúvida, é lei da vida. Ninguém no mundo pode medir a resistência de um coração quando abandonado por outro.

E nem pode aquilatar da qualidade das reações que virão daqueles que emurchecem aos poucos, na dor da afeição incompreendida.

Todos devemos respeito uns aos outros. Somos responsáveis pelos que cativamos ou nos confiam seus corações.

Se alguém estiver usando meias vermelhas, por nossa causa, pensemos se este não é o momento de recompor o que se encontra destroçado, trabalhando a terra do nosso coração.

Pensemos nisso!